30 de ago. de 2009

Hercules Florence - A descoberta isolada da fotografia no Brasil


O francês Hercules Florence, aplicou-se a uma série de invenções durante os 55 anos em que viveu no Brasil até sua morte, na Vila de São Carlos (Campinas).

Em 1830, diante da necessidade de uma oficina impressora, inventou seu próprio meio de impressão, a POLYGRAPHIE, como ele a chamou. Seguindo a meta de um sistema de reprodução, pesquisou a possibilidade de se reproduzir usando a luz do sol e descobriu um processo fotográfico que chamou de PHOTOGRAPHIE, em 1832, como descreveu em seus diários da época, anos antes de Daguerre. Em 1833, Florence fotografou através da câmara escura com uma chapa de vidro e usou um papel sensibilizado para a impressão por contato.

Enfim, totalmente isolado e sem conhecimento do que realizavam seus contemporâneos europeus Niépce, Daguerre e Talbot, obteve resultados fotográficos.

Biografia
Desde pequeno Hércules Florence demonstrou possuir notável talento para o desenho. Ao ler Robson Crusoé, de Daniel Defoe, apaixonou-se pela vida no mar. Em 1820, com apenas 16 anos, tornou-se grumete. Esteve em Mônaco, na Holanda e na Bélgica. Em 1824 chegou ao Brasil a bordo da fragata Maria Thereza, aportando no Rio de Janeiro. A fragata ficou estacionada um mês e seguiu seu trajeto, porém sem o jovem Florence, que se fixaria no Brasil por toda a vida. Obteve emprego, inicialmente, como caixeiro numa casa de roupas, transferindo-se, logo a seguir, para o estabelecimento de outro francês, Pierre Plancher, proprietário de uma livraria e uma tipografia.


A Expedição Langsdorff
Um ano depois Florence ficou fascinado com a perspectiva de realizar uma viagem pelo interior do Brasil. Sua grande aventura teve início quando foi informado de que um naturalista alemão, o Barão Georg Heinrich von Langsdorff, pretendia empreender uma expedição científica por várias províncias do país, incluindo a Amazônia, e necessitava de um desenhista. Florence conseguiu ser admitido no cargo pelo seu talento artístico e pelos seus conhecimentos de cartografia. Juntamente com Aimé Adrien Taunay completou a dupla de desenhistas incumbida de realizar a documentação iconográfica ao logo do extenso trajeto da expedição. Deve-se a Florence o relato completo dessa aventura, percorrida ao longo de 13.000 quilômetros entre os anos de 1825 a 1829, assim como a maior parte da documentação iconográfica. Nela se percebe sua preocupação em registrar com rigor científico a natureza e os índios das regiões visitadas. Essa coleção de imagens é de valor inestimável para os estudos antropológicos e etnográficos, conforme é atestado por cientistas brasileiros e estrangeiros.

Após seu retorno da expedição, contraiu núpcias com Maria Angélica A. M. Vasconcelos, filha de importante político paulista, fixando residência na pacata vila de São Carlos (Campinas).


Primeiras invenções: a Zoofonia, a Poligrafia e a Fotografia
Pretendendo publicar um estudo que fizera sobre os sons emitidos pelos animais, produto de suas observações anotadas na selva durante a expedição (o qual intitulou "zoophonie"), deparou com a inexistência de oficinas impressoras na Província de São Paulo. Decidiu então idear seu próprio método de impressão, a Poligraphie, e em 1832, já se encontrava estabelecido comercialmente oferecendo ao público seus escritos e desenhos, além de manter, ao mesmo tempo, uma loja de tecidos. Observando o descolorimento que sofriam os tecidos de indianas expostos à luz do sol e informado pelo jovem boticário (e futuro botânico de nomeada) Joaquim Correia de Melo das propriedades do nitrato de prata, deu início às suas investigações sobre fotografia. Suas primeiras experiências com a câmera obscura datam de janeiro de 1833 e encontram-se registradas no manuscrito Livre d'Annotations et de Premier Matériaux. Mais de 150 anos depois, o exame detalhado desse manuscrito por Boris Kossoy levou-o a comprovar o emprego pioneiro de Florence da palavra "photographie", pelo menos cinco anos antes que o vocábulo fosse utilizado pela primeira vez na Europa.


Outras atividades e invenções
Florence foi ainda pioneiro da imprensa em Campinas ao fundar, em 1836, O Paulista, primeiro jornal do interior da Província de São Paulo. A proliferação em Campinas de bilhetes falsos de banco induziu-o a inventar um novo método de impressão para evitar falsificações, sobre o que publicou um folheto de 14 páginas. Em 1843 a Academia de Ciências e Artes de Turim declarou que o seu invento tinha algo de novo, com propriedades contrabalançadas com defeitos, mas que merecia a proteção do Governo de Sardenha.

Em 1847, Florence descreveu o emprego dos "Typo-sílabas", idéia precursora da taquigrafia.

Florence enviuvou em 17 de janeiro de 1850, mas quatro anos depois casou-se novamente, desta vez com Carolina Krug, de origem alemã, com a qual teve sete filhos. O casamento ocorreu em 4 de janeiro de 1854. Florence já contava então 50 anos.

Em 1860 inventou a "pulvografia", a impressão por meio do pó. Em 1877 foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. No fim da sua vida, dedicava-se à agricultura.

Obras
FLORENCE, Antoine Hercule Romuald. Ensaio sobre a impressão das notas de banco por um processo totalmente inimitável, precedido por algumas observações sobre a gravura das mesmas notas, e o modo de se conhecer as que são falsas. Campinas: Tipografia de Costa Silveira, 1841.

FLORENCE, Antoine Hercule Romuald. Zoophonia. Revista Trimensal do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, tomo XXXIX, parte segunda, 1876, p. 321-336.

FLORENCE, Antoine Hercule Romuald. Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829 São Paulo: Editora Cultrix, 1977.


Bibliografia
BOURROUL, Leão Estevão. Hércules Florence. São Paulo: Tipografia Andrade Mello & Comp., 1900.
FONSECA, Dayz Peixoto. O Viajante Hércules Forence: águas, guanás e guaranás. Campinas (SP): Pontes, 2008.
KOSSOY, Boris. Hercules Florence - 1833 - a descoberta isolada da fotografia no Brasil (2ª ed.). São Paulo: Duas Cidades, 1980.
KOSSOY, Boris. Fotografia e História, São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. ISBN 8574800600
MONTEIRO, Rosana Horio. Descobertas múltiplas – A fotografia no Brasil (1824 – 1833). São Paulo: FAPESP, 2001.
Expedição Langsdorff ao Brasil, Iconografia da Academia de Ciências da União Soviética. Rio de Janeiro, Alumbramento, 1988, 3 vols